Assunto:
Ética na manipulação de imagem
Título: Precisa-se de Photoshop para uma foto mais Natural!
por Patrick Oliveira
Photoshop
para a foto mais “natural”? É o que poucos sabem de um importante papel da
manipulação de imagem em nossa história recente da fotografia. Photoshop não é
a única ferramenta de manipulação que existe, mas é frequentemente acusada de
falsear a realidade na fotografia. Além de descontextualizada, generalizada e
tendenciosa, essa acusação é injusta.
O que é o “natural”? Comecemos lembrando que a foto
sem tratamento não é “natural”. Dos cinco sentidos que usamos em nossas
experiências, apenas uma é usada na fotografia (a visão). Os outros 4 sentidos
são deliberadamente descartados (!). Ainda sim, a foto nunca corresponde
exatamente ao que vemos.
“Um fato fundamental que frequentemente
esquecemos... quando tiramos uma foto, não fazemos um registro perfeitamente
objetivo da realidade. O que fazemos, é uma interpretação dela. Não há filme ou
câmera digital que registre perfeitamente e de forma acurada a natureza mesmo
em seu nível mais simples.”
Jerry Lodrigues[1]
Processadores de câmeras são micro Photoshops. Não existe foto digital sem
processamento de imagem. Os sensores das câmeras apenas fornecem números
relacionados á luz que incide sobre sua superfície. A imagem mesmo é uma
criação do sistema d câmera. Os processadores são tão determinantes no processo
da fotografia digital que a indústria das Cyber Shots investe pesado no processamento
de suas câmeras para atender à demanda das “belas fotos automáticas”. Até
usuários mais leigos já perceberam que resolução está longe de garantir uma boa
foto. De equalização de luz a interpretação de cores, cada equipamento digital
entrega uma foto bem diferente da outra em uma mesma cena. Essas diferenças são
provocadas por um processamento digital que se parece com o do Photoshop.
(foto 1) a foto mostra em
cima o resultado “puro” da captura da câmera. Na verdade, para sermos mais
precisos, a foto de cima é o que a câmera “entendeu” que deveria corresponder à
sensação visual que o fotografo estava tendo na cena. A foto de baixo foi
revelada digitalmente e mostra o que o fotografo estava vendo. Um exemplo da
manipulação de imagem a serviço da verossimilhança.
O olho humano também manipula. No estudo da fisiologia da visão conhecemos estruturas e
esquemas no olho humano responsáveis por processar a imagem antes mesmo que ela
seja enviada para o cérebro. Uma delas, segundo Denis Beylor [2],
nos ajuda a isolar objetos em um cenário de pouco contraste, realçando as
bordas para delinear objetos importantes. O Photoshop também faz isso por nós
em nossas fotos digitais, já que a câmera não “pensa” como nossos olhos
(trata-se da ferramenta High pass, para quem tiver curiosidade). Outra
característica da visão humana que o Photoshop reproduz é a capacidade de
enxergar, simultaneamente algo muito escuro e algo muito claro. Quando olhamos
para uma lâmpada em um quarto sob penumbra, vemos simultaneamente a fonte de
luz e o conteúdo fracamente iluminado ao seu redor. Mesmo que a luz da lâmpada
seja milhares de vezes mais intensa que aquela refletida pelo objeto à sombra,
nós ainda conseguimos ver com detalhes os dois objetos. Quem já tentou
fotografar uma janela já passou pelo apuro de ter que escolher o interior do
cômodo ou o cenário lá fora. Quando o conteúdo da janela fica bem fotometrado,
o interior do cômodo torna-se um breu, e quando a fotometria privilegia o
interior do cômodo o Céu vira uma massa branca na fotografia. Isso que o olho
humano faz há milênios é o que o HDR (High Dinamic Range –
Grande alcance dinâmico) vem trazer à fotografia digital mais recente. Com o HDR o fotógrafo
pode fazer uma foto para contemplar a janela e outra para o cômodo,
aproveitando o melhor de cada uma e mixando-as em uma única foto. Exatamente o
que o olho já faz! Até mesmo iPhone tem HDR hoje em dia.
“A riqueza das cores que vemos são criações do sistema nervoso, e não
propriedades intrínsecas da luz. Cor e beleza estão nos olhos de quem vê. “
Denis Baylor
É preciso que se diga que a mente humana é uma máquina de
processamento de imagem também. Nos anos 1920 nasceu uma corrente na
psicologia que estudou o comportamento de nossa mente diante da forma. Gestalt,
do Alemão “forma”, abriu caminho para diversos estudos particulares e em
especial sobre a experiência estética. Um dos desdobramentos desse estudo foi a
constatação de que a experiência estética segue mais padrões e regras
psicológicas do que os românticos gostariam de admitir.
“é preciso desmistificar, também, determinadas tendências que consideram a
forma presa a conteúdos convencionais, onde, na maioria das vezes, se julga a
beleza como uma qualidade puramente subjetiva (“beleza não se discute”, “tudo é
relativo”, etc,) desvinculada de quaisquer parâmetros de avaliação objetiva e
de princípios ou procedimentos intelectuais.”
Julio Gomes Filho[3]
A manipulação está na foto analógica também. Tanto quanto clarear o que
interessa e escurecer o que não tem importância faz do Photoshop uma ferramenta
de “manipulação de realidade”, também o faz o editor do jornal quando escolhe o
que vai noticiar e o fotografo quando faz em seu enquadramento o recorte da
realidade que mais lhe agrada. Até mesmo o ato de selecionar as fotos que vão
ser impressas e as que vão ser descartadas em uma prova de contato é, em si,
uma forma de manipulação (Edição). Seria ingênuo acreditar que o Photoshop
carrega sozinho essa culpa. Qualquer ferramenta concebida com a melhor das
intenções pode ser usada para o mau em mãos erradas, e o Photoshop não está
imune a isso.
“Historicamente, a fotografia sempre foi meio
de manipulação. Até um sorriso é uma forma de manipulação, já que mascara o
verdadeiro sentimento do sujeito. "
Dunleavy[4]
Todo fotógrafo
profissional ou amador já se deparou com uma cena maravilhosa que não conseguiu
registrar com seu equipamento: Uma lua linda que na foto parece uma bolinha
branca pequena; um final de tarde que, na foto, parece um garrancho preto com
uma luz laranja no fundo; aquela mulher maravilhosa com quem você vai se casar e
que simplesmente se encheu de espinhas às vésperas da cerimônia; Ou o Céu que
inventou de ficar nublado naquele lugar em que chegamos para fotografar depois
de 3 dias de viagem. Para situações como essa, o Photoshop pode trazer um Céu
melhor, retirar as espinhas que não são eternas ou fazer um corte que valorize
a Lua em meio a tanto cenário. Aí, sim, a foto estará mais parecida com o que
chamamos de “natural” depois de passar pela manipulação.
Se
tivéssemos realmente que produzir uma foto “Natural” talvez tivéssemos que
trabalhar com as panorâmicas em 3D. Ali, pelo menos, aquele que vai ver o
registro pode escolher para onde olhar, feito o que fazemos no Google Street
View.
Com tudo
isso acho que podemos dizer que o Photoshop é tão perigoso à sociedade quanto
uma mamadeira: depende de como você usa e do que você coloca nele. Que o nosso
bom senso nos guie para o melhor uso dessas ferramentas que tanto trabalham a
serviço da experiência estética agradável e do bem estar visual. E que saibamos
escolher quando não usá-la, desde que não seja pelo pré conceito.
[1] Jerry Lodriguss, also known to his friends as “The Prince of
Darkness,” was born and raised in New Orleans, Louisiana He now lives in
suburban Philadelphia. He studied journalism at Louisiana State University and
later graduated with a degree in communications from the University of New
Orleans where he studied film.
[2] BAYLOR, Denis.
“Color, Arts and Science”. Fisioligista da visão formado em Yale, Baylor
dedicou sua carreira à pesquisa dos
mecanismos da visão na retina. Ele é professor de Neurologia na Universidade de
Stanford.
[4] Dennis Danleavy foi ganhador do prêmio de fotojornalismo
com experiência em jornal diário como correspondente da América Latina e
México. Seus interesses em pesquisas incluem Ética na Imagem digital, práticas
visuais, foto jornalismo, multi mídia, retórica semiótica e persuasão visual.